terça-feira, outubro 10, 2006

OPINIÃO

O que faz correr Jardim
Por Violante Saramago Matos
Deputada do Bloco de Esquerda,
na Assembleia Legislativa Regional da Madeira

Durante 30 anos, e em espiral crescente, o presidente do Governo Regional da Madeira tem agido de acordo com uma estratégia muito clara: tudo, "em nome da Madeira" ou, melhor dizendo, em nome dos interesses dos afilhados do poder na Madeira. É preciso insultar? Insulte-se. É preciso cuspir no prato onde se comeu? Cuspa-se. É preciso vitimizar-se? Vamos a isso, que nada melhor que responsabilizar Lisboa (eu queria fazer, a culpa é de Lisboa que tira dinheiro à Região) procurando, acima de tudo, manter o poder. Estamos, com a discussão da lei das finanças das regiões autónomas, num momento desses.
A precariedade financeira da Região é cada vez maior – o endividamento cresce de forma assustadora: a discussão do Orçamento para 2006 revelou uma dívida pública regional de 1 348 M € – 1,5 vezes a receita corrente e quase o dobro do PIDDAR. Não há centelha de sustentabilidade. O governo regional sabe disso. E o governo da República também.

A distorção introduzida pelo Centro Internacional de Negócios é particularmente grave – mesmo descontando a componente financeira do CINM, a verdade é que sua influência sobre uma economia de escala reduzida como é a da Madeira, é enorme. E é prejudicial, percebe-se, quando se vêem os resultados: saída do estatuto de Região de Objectivo 1 e perda de cerca de 500 milhões de euros no Quadro 2007/2013. O governo regional sabe disso. E o governo da República também. Embora continuem a defender em conjunto esta praça financeira, nas negociações na União Europeia.

A realidade é bem diferente: a realidade é um dos maiores índices de falta de coesão social; são cerca de 30 mil pessoas com reformas abaixo do salário mínimo; é o significativo aumento do desemprego – em 2001 foram pagos 2 283 subsídios de desemprego, em 2005 os números são de 7 981; são 1 926 os rendimentos mínimos garantidos em 2001 e, em 2005, 8 038 subsídios sociais de reinserção. Estas são realidades que o governo regional quer esconder mas que o governo da República não pode desconhecer.

Por isso, definir novas regras para as finanças das regiões autónomas tendo por princípio base a ‘riqueza da Região’ é absolutamente inaceitável.

Há, sim, que eleger os princípios do rigor orçamental, da prestação e da transparência das contas públicas, que esse é que é o verdadeiro busílis da questão: Jardim não quer prestar contas a ninguém.

E é por isso que ele nem fala nesta questão. Dispara para o lado, falando do dinheiro que não vem, num tom tal que, se por um lado agudiza um sentimento nacional muito generalizado contra a Madeira – e que claramente é preciso combater, por outro, lhe serve para cerrar fileiras internas, fundamentais para tentar conservar o poder, numa altura em que se começam a perspectivar sentimentos de necessária mudança, de saturação com o poder instituído, de desagrado com as atitudes do chefe do executivo.

O Rei vai nu. Não o façam parecer vestido de cordeiro.

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