terça-feira, dezembro 26, 2006

OPINIÃO QUE CONTA

DÉFICE
- 2006 visto por Luís Fazenda
O défice orçamental é o pretexto e a linha política. Na sequência dos governos da direita a diminuição do défice é feita à conta de cortes nos serviços públicos essenciais, no investimento público reprodutivo, nos impostos sobre o consumo.
4,6 % do Produto Interno Bruto foi o número fetiche do ano: nem pensar em impostos a sério para o capital financeiro, as fortunas, ou medidas de investimento público que dinamizassem a economia e o emprego, aumentando a receita pública. Nem um único sobressalto pelo facto de 20% do produto não ser taxado. 4,6% extorquido às condições de vida do povo, Como os anunciados 3,7 % para 2007.
O défice é o pretexto para "Portugal não ficar fora da Europa": esconde a linha política de privatizações, favores crescentes aos grupos empresariais, desenvolvimento de mercados privados em torno da oferta de saúde e de educação.
O défice foi o pretexto para manter o desemprego acima dos 7% da população activa ( números oficiais sub-avaliados), quase meio milhão de pessoas sem trabalho. O défice foi o pretexto para desencadear um ataque generalizado ao poder de compra dos salários, no sector público ou no mercado de trabalho.
O resultado, em 2005 e 2006, é o agravamento dos índices de pobreza em Portugal, a desvalorização do salário médio e o aumento claro da desigualdade social. Para um governo que se diz "de esquerda" não está mal, como se vê...
O governo não quis renegociar as condições do Pacto de Estabilidade na União Europeia porque quer levar a cabo o "ajustamento estrutural" da economia, como lhe reclamam o sectores financeiros, metendo medo com os castigos de Bruxelas. Isso não chegou porém.E tal como Salomé pediu a cabeça do Profeta numa bandeja, lá veio o ataque à segurança social: baixou 20% em média o valor da formação das pensões e encapotou um aumento da idade da reforma. O risco social é paulatinamente entregue aos fundos de pensões das seguradoras para quem pode fugir de pensões de miséria do sistema público.
Esta política deixou os partidos da direita sem espaço próprio e entregues às suas crises. Sócrates , contudo, sublinhou no parlamento, com visível agrado, que o actual governo fez aquilo que os outros prometiam mas não cumpriam. Esta sinceridade tem sido recompensada pelo Presidente da República - todos com o "ímpeto reformista"! A dupla liberal Cavaco/Sócrates passa ao lado e agrava o maior défice do país: o défice social. Não por acaso os assuntos fortes das campanhas eleitorais de ambos.
DEMAGOGIA
O governo PS mantém uma pressão forte sobre a opinião pública. Primeiro, tentando dividir sectores populares, apresentando uns como privilegiados e outros como prejudicados. Este efeito já diminuiu porque entretanto as medidas negativas já tocaram a todos. É difícil apresentar um país inteiro como uma imensa "corporação"e os rapazes da Sonae como anjos da guarda.
Sobretudo, o governo artilha a manipulação das expectativas sociais com o discurso da inevitabilidade das medidas. Este é o governo que corta na segurança social para defender o estado social, imagine-se! Os cortes na saúde, na educação, no subsídio de desemprego, o que seja, são todos para defender sistemas públicos, imagine-se! O governa especula com o medo social. "Antes hoje alguma coisa do que amanhã coisa nenhuma" é o slogan ministerial. Funciona, mas é reaccionário. A rejeição deste terrorismo ideológico é a primeirissima causa democrática dos direitos sociais.
Percebendo isso, o PS tenta arvorar consciência social com o complemento solidário para idosos ou com o acordo do salário mínimo. Não há que ter dó. O complemento de reforma beneficia um número pequeno de pessoas, no fínal de 2007 cerca de 5% dos reformados. O salário mínimo mantém-se dos mais baixos da Europa e abaixo da Grécia, Eslovénia e Malta.
Os governos de Cavaco introduziram o 14º mês de pensão para os reformados e o novo sistema retributivo para a função pública.Os governos de Guterres trouxeram o rendimento mínimo e a educação pré-escolar. Essas foram medidas com impacto social muito significativo e, no entanto, não alteraram a característica de governos que foram cumpridores do curso do neo-liberalismo. O governo de Sócrates, em cerca de dois anos, não tem nada de realizado ou anunciado que se aproxime sequer dos exemplos mencionados.
A demagogia feita pelo brinde fácil anda ao nível da loja dos trezentos. O que sobra é mesmo a demagogia da intimidação sobre as vidas precárias.

DESGASTE
2006 assistiu a um pico de luta social. Manifestações e greves marcaram a contestação. A megamanifestação da CGTP, em Outubro, provocou dores de cabeça ao governo. Na sequência, Sócrates saiu com ameaças no congresso do PS. O primeiro-ministro não gosta da voz da rua. Mas é essa voz da rua, exactamente, que vai contrariar a liquidação total do estado social. É a voz da rua que vai afirmar que o défice social tem rostos, tem vítimas que o robótico ministro das finanças desconhece. A defesa dos serviços públicos, afigura-se como uma batalha prolongada onde o governo pode perder a pele. O desgaste do governo, a passagem de muitos cidadãos do luto pelo PS para a luta pelos direito sociais, essa é a via para paralisar o "ímpeto reformista" e para discutir outras soluções que não sejam mais-do-mesmo. 2007 - a inquietação pela rua, certamente com uma luta social mais confiante após a vitória do sim no referendo de 11 de Fevereiro pela despenalização do aborto. Novo ano, ímpetos diferentes.
in www.esquerda.net 23/12/2006

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