terça-feira, maio 09, 2006

SESSÃO SOLENE DE 25 DE ABRIL

Intervenção do deputado municipal do BE Luís Grácio, na Sessão Solene comemorativa do 25 de Abril


Em cada passagem do aniversário do 25 de Abril de 1974 somos confrontados com sucessivas vagas de criticas, quer ao acto de liberdade que significou a acção dos militares, quer principalmente à sua consequência “regeneradora”, a qual abriu as portas a um sobressalto revolucionário, em que o povo passou a ser quem mais ordena.
As recorrentes vagas de criticas, procuram fazer o julgamento do 25 de Abril da rua; pretendem apagar definitivamente a memória das ocupações, das manifestações, dos saneamentos, das greves, da autogestão, da contestação à ordem estabelecida.
Vimos assistindo a um esforço de reescrever a história, de forma a retirar da nossa memória colectiva a experiência extraordinária que foram essas jornadas, a razão de ser das nossas reivindicações, dos anseios e aspirações de milhões de portugueses, operários, estudantes, donas de casa, escritores, soldados; os quais, não por acaso, quando questionados só encontram expressões semelhantes para descrever esses dias: “tempo inesquecível”, “não voltei a ser o mesmo”, “a vida tinha um sentido”, “era a alegria”….
Insere-se nesta campanha a recusa da mera evocação do 25 de Abril, este ano, pela Assembleia Regional da Madeira e, num sentido mais lato, a tentativa de apagar da história portuguesa e europeia todo um século de lutas dos trabalhadores e das massas populares, por melhores condições de vida e trabalho. Pretendem apagar da memória as conquistas sociais pelo direito à reforma, às pensões de velhice, a assistência na saúde, em suma o estado social, como se o século XX nunca tivesse existido e nos quisessem fazer regressar ao liberalismo, sem direitos, do século XIX.
A luta de muitos, mesmo nas condições mais adversas, existiu de facto e não foi em vão. Para nos lembrar isso temos o presente de liberdade, em contraste com um passado de obscurantismo, repressão, tortura, assassínio e censura. Ainda há dias, deparei com vários jornais do título “República” de 1958, em plena campanha eleitoral para a Presidência da Republica, nos quais se reclamava por “Eleições livres”. Um deles inclusive fazia referência “ao desenrolar da propaganda eleitoral” no Entroncamento. Todos eles traziam em caixa, bem destacada, na primeira página: “Este número foi visado pela censura”.
“A nossa geração não lamenta tanto os crimes dos perversos quanto o estarrecedor silêncio dos bondosos.” – disse um dia Martin Luther King Jr em plena luta pelos direitos cívicos nos anos 60 nos EUA.
Esta frase condensa em si um verdadeiro sentimento de revolta e indignação pela passividade com que muitos ignoravam os crimes desses tempos e, simultaneamente, diz-nos quão terrífico é calar o que não pode ser calado, e lembra-nos, pelo contrário, que é preciso alertar, é preciso resistir, é preciso denunciar os propósitos perversos muitas vezes ocultos e dissimulados.
Quando hoje assistimos a campanhas de verdadeiro ultraje aos trabalhadores da função pública, aos professores e outros trabalhadores apodados de calaceiros, preguiçosos, maus profissionais, vem-nos à memória a frase de Luther King, e também nós lamentamos o “estarrecedor silêncio dos bondosos”, mas ao mesmo tempo afirmamos que não contem com o nosso silêncio.
Quando Correia de Campos, Ministro da Saúde, obriga os reformados com pensão mínima, que têm um regime especial de comparticipação de fármacos, a terem de assinar uma declaração em que, sob compromisso de honra, afirmem não ter mais rendimentos e também autorizem o acesso aos seus dados fiscais;
Quando promove o injustificável e inadmissível aumento das taxas moderadoras do Serviço Nacional de Saúde (SNS). E que em alguns casos, são aumentos dez vezes superiores à inflação prevista;
Não contem com o nosso silêncio. Quando os portugueses já pagam, do seu bolso, mais de 20% dos custos de saúde e, o aumento brutal das taxas moderadoras é mais um preocupante sinal das reais intenções do governo sobre o princípio da gratuitidade e universalidade do SNS;
Quando o governo prossegue a sua longa história de combater os chamados “privilégios” dos mais pobres, de quem desconfia e a quem persegue, mas preenche os altos cargos da função pública com os seus protegidos, não permite que sejam conhecidos os vencimentos dos gestores públicos e impede o levantamento do sigilo bancário, essencial para combater a fuga ao fisco; vem-nos mais uma vez à memória a frase de Luther King, e também nós lamentamos o “estarrecedor silêncio dos bondosos” e reafirmamos: não contem com o nosso silêncio.
Quando o emprego criado em 2004 e 2005, 71% é precário e numa altura em que 3 em cada 4 trabalhadores em formação não conseguem emprego, eis que o governo avança com o novo regime de subsídio de desemprego e procede à retirada de direitos;
Quando, segundo o Livro Verde sobre as Relações de Trabalho, afinal o código do trabalho de Bagão Félix, em vez de contribuir para a flexibilidade das relações laborais, teve como consequência quase exclusiva a redução drástica do papel dos sindicatos;
Quando, apesar disso, o governo esquece as promessas eleitorais, de rever o actual Código do Trabalho nos seus aspectos mais nocivos, nomeadamente a caducidade dos Acordos Colectivos de Trabalho em caso da não celebração de novo acordo entre as partes.
Mais uma vez nos vem à memória a frase de Luther King e também nós lamentando o “estarrecedor silêncio dos bondosos” reafirmamos: não contem com o nosso silêncio.
Quando os diversos poderes procuram tomar as decisões, profundamente questionáveis, sem terem em consideração a opinião e o parecer das oposições, procurando negar-lhes o direito de participação e os seus direitos inalienáveis, nós repetimos que não abdicamos dos nossos direitos de oposição e mesmo lamentando o “estarrecedor silêncio dos bondosos” voltamos a afirmar: não contem com o nosso silêncio
A todos os que connosco comungam de inconformismo e abominam o silêncio das tumbas, em particular aos jovens, dizemos que continuar Abril é prosseguir lutando, a exemplo dos jovens e trabalhadores franceses que não baixaram os braços enquanto não derrotaram o famoso CPE (Contrato de Primeiro Emprego).
Por uma sociedade mais justa, fraterna e solidária!
Contem connosco para ajudar cumprir o Abril popular!
25 de Abril Sempre!

1 comentário:

Reinaldo Amarante disse...

Nem com o meu silêncio.
Custe o que custar.